quarta-feira, 28 de outubro de 2009



JOSÉ MARIA, O AUTOR

Escrevi o texto em 1976, ainda sob o império do medo da ditadura militar iniciada em 1964. Ele trata de questões morais assim como corrupção, usura, opressão, da dificuldade dos homens se relacionarem com o dinheiro de forma natural. Naqueles anos a grande questão era a opressão política, as botas da ditadura, através da qual víamos todas as outras distorções sociais, como se ela fosse a causadora de tudo. O texto mesmo não foi proibido, mas sofreu alguns cortes, cenas que foram reescritas e que depois, mesmo tendo passado a censura, resolvi deixar como estreou em 1977. Algumas coisas hoje ficariam datadas. Passado essas três décadas vejo que o texto, infelizmente, permanece atual. Se antes tínhamos medo dos militares, hoje temos dos bandidos. Em algumas regiões vive-se na prática um estado de sítio, as pessoas tendo que chegar a casa antes das oito da noite, depois disso só no dia seguinte porque a bandidagem estabelece o toque de recolher. E sabemos ainda que nas comunidades periféricas, ou sobre indivíduos menos aquinhoados, a polícia age do mesmo modo que fazia na ditadura militar. Por outro lado, graças à liberdade de imprensa, temos diariamente que conviver com os mais escabrosos casos de corrupção em todas as esferas do poder, da corrupção policial a dos ilustres representantes do povo no congresso nacional, que nos envergonha, mas que assistimos às vezes perplexos, porque vem da parte daqueles que acreditávamos longe disso. Se antes a corrupção era de alguma forma velada, escondida, porque a censura não permitia que fosse exposta, hoje ela é escrachada, com os corruptos se defendendo entre si como se fossem as vítimas. Tudo isso a peça expõe, mas não de maneira séria porque seria uma tragédia, fazemos através do riso, da galhofa, seguindo a máxima do Molière que disse: A comédia corrige divertindo.
Escrevi toda a peça em sextilhas. A estrofe comum da Literatura de Cordel, inspirada em contos populares e histórias de folhetos, como o nordestino chamava o cordel. Mas a inspiração primeira veio de Brecht e de sua A Alma Boa de Set-Suan, porque a peça trata da vinda de Jesus e Pedro ao mundo a procura de um homem bom. São comuns no Nordeste as narrativas populares que tratam de Jesus e Pedro andando pelo mundo. Quando assisti a Brecht vi que meu mundo infantil era povoado de histórias como aquela em que ele se inspirou.

Sem comentários: